sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Não podemos compactuar com a subtração da liberdade

Marina Silva critica relação do governo Lula com Venezuela, Cuba e Irã: 'Não podemos compactuar com a subtração da liberdade'
O Globo; CBN
Reuters


RIO - A senadora Marina Silva (AC), pré-candidata do PV à sucessão presidencial, criticou nesta sexta-feira, em entrevista à rádio CBN, a política externa do governo Lula em relação à Venezuela, a Cuba e ao Irã. Ao comentar os laços do Brasil com o presidente Hugo Chávez, que apoia a candidatura da ministra Dilma Rousseff, Marina disse que não se pode "compactuar com a subtração da liberdade".

Nós não podemos, em hipótese alguma, compactuar com a subtração da liberdade, do direito de expressão, da livre forma de pensamento
- Não podemos ficar reféns dessa combinação que é um pouco preocupante, da democracia representativa com a democracia direta. No caso da América Latina, a Venezuela tem uma ênfase plebiscitária que pode colocar em risco a alternância de poder, a subtração de liberdade. Nós não podemos, em hipótese alguma, compactuar com a subtração da liberdade, do direito de expressão, da livre forma de pensamento - destacou ela, durante entrevista à âncora Lucia Hippolito.

De acordo com a senadora, Cuba também precisa se abrir para a democracia.

- A revolução contribui com alguns aspectos? Contribuiu e muito. Agora, é o fim da história? Não é. Existe um desafio ali? Existe. Qual é o desafio? É de que Cuba precisa se abrir para o mundo, precisa se transformar numa a democracia. Cuba não tem que ter medo da democracia porque até os amigos de Cuba já começam a ser constrangidos pela falta de liberdade de expressão - analisou Marina, que ao sair do estúdio acrescentou que alguns princípios básicos não podem ser relativizados pelo governo brasileiro:

- A defesa da liberdade, dos direitos humanos e de expressão precisam ser defendidos como um valor. No caso de Cuba, essas liberdades estão sendo cercadas e com graves problemas que causam constrangimento para aliados de Cuba. Os que silenciam não estão ajudando para que Cuba avance rumo à democracia.

- Se isso é importante para o Brasil e para os brasileiros, por que não é importante para os cubanos? - questionou.

A política do governo Lula em relação ao regime cubano e as supostas violações de direitos humanos cometidas na ilha também foram alvos de críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nesta sexta-feira.

- Sempre fui contrário ao embargo a Cuba, que já mostrou que não deu resultado. Mas, acho que temos que ter uma posição bastante firme na questão dos presos políticos e direitos humanos. Uma coisa não está conectada a outra - disse FH, após evento da ONG Viva Rio na capital fluminense.

Nesta semana, o preso político Orlando Zapata morreu na ilha após greve de fome de mais de 80 dias. O presidente Lula, que visitava o país na ocasião, foi alvo de críticas da oposição por seu silêncio diante do ocorrido.

Durante a entrevista, Marina Silva criticou ainda a postura do governo Lula em relação ao Irã. O Brasil defende o direito iraniano de manter um programa nuclear, desde que para fins pacíficos, e discorda das sanções ao país islâmico no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

- Temos essa atitude do presidente Lula em relação ao Irã, que não está sendo entendida por ninguém no mundo, nem mesmo pelo Sarkozy, que é um parceiro do presidente Lula. É um país democrático e ocidental que está se colocando uma forma que não está sendo compreendida nem internamente, nem externamente - afirmou.

Na semana que vem, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, visitará o Brasil num esforço diplomático a fim de convencer o governo Lula a mudar sua posição de resistência à aprovação de sanções contra o Irã na ONU.

Marina Silva reconheceu, no entanto, que há avanços em alguns aspectos da política externa do governo Lula. E destacou a relação do Brasil com os Estados Unidos.

- Na relação com os Estados Unidos, eu diria que temos uma coisa muito positiva. O Brasil não é um país caudatário, os Estados Unidos não têm razões para nos olhar com desconfianças. Estamos ali construindo uma relação cada um do tamanho que tem, mas uma relação de respeito sobre o papel que cada um pode desempenhar, inclusive no papel que o Brasil desempenha no contexto da América Latina - avaliou.

Para ela, o presidente Lula também inovou ao combinar a diplomacia clássica, do Itamaraty, com uma diplomacia palaciana.

- O presidente Lula inovou em parte com algumas coisas, combinando a diplomacia clássica, do Itamaraty, com uma diplomacia palaciana. Isso sem errar na medida para não criar um desequilíbrio para a diplomacia palaciana e as ações de Estado do Itamaraty. Isso pode ser uma inovação boa porque existem alguns temas que, historicamente, vinham sendo tratados de forma muito reativa.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Pandora também pode ser aqui.

"Minha meta é ser uma pessoa tão boa
como meus animais acreditam que eu seja!"
Por Marina Silva, professora de ensino médio, senadora (PV-AC) e ex-ministra do Meio Ambiente

E-mail:marina.silva08@terra.com.br

Fonte: Agencia latinoamericana de información

O Ibama concedeu a licença prévia para a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Trata-se de um projeto muito polêmico, localizado no rio Xingu, no Pará, próximo ao município de Altamira, numa região conhecida como Volta Grande do Xingu. O nome deve-se ao desenho do rio que, visto de cima, assemelha-se a uma "ferradura".

Por meio de barragens, as águas do rio serão desviadas para um canal que unirá as pontas mais próximas dessa "ferradura". Ao final desse canal, as águas passarão pelas turbinas antes de retornarem ao seu curso normal.

Como tudo na Amazônia, os números que envolvem a obra são gigantescos. A quantidade de terra e pedra que será retirada na escavação do canal é cerca de 210 milhões de m³ - um pouco menor da que foi removida na construção do Canal do Panamá. E ainda nem se definiu qual a destinação desse material.

Pelo leito do rio Xingu passa uma vazão de 23.000 m³/s de água no período de cheia. Um volume correspondente a quatro vezes a vazão, também nos períodos de cheia, das Cataratas do Iguaçu.

Os impactos socioambientais também terão essa mesma ordem de grandeza. E ainda não foram concluídos. Só sobre a fauna, segundo dados coletados durante o Estudo de Impacto Ambiental, podemos ter uma idéia. Na área existem 440 espécies de aves (algumas ameaçadas de extinção, como a arara-azul), 259 espécies de mamíferos (40 de porte médio ou grande), 174 de répteis e 387 de peixes.

Apenas a eficiência energética da usina não será tão grande. Uma obra colossal que custará certamente mais de R$ 30 bilhões - se somados todos os gastos, como o custo e a extensão da linha de transmissão, por exemplo - terá uma capacidade instalada de gerar, em média, 4.428 MW, em razão do que poderá ser suportado pelo regime hídrico do rio, nesta configuração do projeto. E não os 11.223 MW que estão sendo equivocadamente anunciados.

A energia média efetiva entregue ao sistema de distribuição será de 39% da capacidade máxima de geração, enquanto a recomendação técnica indica que essa eficiência seja de pelo menos 55%.

Para que Belo Monte possa apresentar um grau de eficiência energética compatível com as recomendações técnicas, seria necessária a construção de outras três hidrelétricas na bacia do rio Xingu, que teriam a função de regularizar a vazão do rio. Por ora, a construção dessas usinas foi descartada pelo governo porque estão projetadas para o coração da bacia, onde 40% das terras pertencem aos indígenas.

No entanto, a insistência em manter o projeto nessa dimensão (apesar de haver alternativa de barragem com quase metade da capacidade instalada e perda de pouco mais de 15% na potência média gerada) provoca forte desconfiança, tanto dos analistas como das comunidades e dos movimentos sociais envolvidos, de que a desistência de construir as outras três hidrelétricas seja apenas temporária.

A população indígena - são mais de 28 etnias naquela região - ficará prensada entre as cabeceiras dos rios que formam a bacia, hoje em processo acelerado de exploração econômica e com alto nível de desmatamento acumulado. E a barragem, além de interromper o fluxo migratório de várias espécies, vai alterar as características de vazão do rio.

É incrível que um empreendimento com esse nível de interferência em ambientes sensíveis seja idealizado sem um planejamento adequado quanto ao uso e à ocupação do território.

A solução de problemas dessa dimensão não pode ser delegada exclusivamente a uma empresa com interesse específico na exploração do potencial hidrelétrico, com todas as limitações conhecidas do processo de licenciamento.

Com a obra, são esperadas mais de 100 mil pessoas na região. Não há como dar conta do adensamento populacional que será provocado no meio da floresta amazônica, sem um planejamento para essa ocupação e um melhor ordenamento do território. Isso só pode ser alcançado através da elaboração de um Plano de Desenvolvimento Sustentável na região de abrangência da obra.

Essa foi uma grande omissão nesse processo, mas não a única. Não temos como deixar de indagar se não há outros aproveitamentos hidrelétricos que seriam mais recomendados, sob o ponto de vista dos impactos ambientais ou da eficiência energética.
No entanto, não há projetos com estudo de viabilidade técnica e econômica prontos para serem submetidos ao licenciamento ambiental. Apesar de o diagnóstico ser conhecido desde 2003, apenas em meados do ano passado foram finalizadas as primeiras revisões de inventário de bacia hidrográfica, como a do Tapajós.

Com isso, projetos polêmicos e com grandes impactos têm que ser analisados em prazos muitas vezes incompatíveis com o grau de rigor que deveriam ter, numa clara demonstração de como, muitas vezes, os ativos ambientais são afetados pela falta de planejamento de outros setores de governo.

Porém, nada foi mais afetado do que nosso compromisso ético frente à responsabilidade com o futuro de povos e culturas. Não foram sequer feitos estudos sobre os impactos que os povos indígenas terão. Só para exemplificar, o que significará para eles ter a vazão reduzida significativamente num trecho de 100km em função do desvio das águas para o canal? O plano de condicionantes tampouco menciona a regularização de duas Terras Indígenas (Parakanã e Arara), já bastante ameaçadas.

Estas e outras comunidades indígenas manifestam inconformidade por não terem sido ouvidas adequadamente, segundo os preceitos da Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, mas nunca implementada para valer.

O Brasil possui um importante potencial de geração de energia hidrelétrica a ser desenvolvido. Mas as dificuldades em retomar o planejamento do setor na velocidade que possibilite escolhas e uma análise segura por parte do setor ambiental, somada à indisposição em discutir uma proposta de desenvolvimento sustentável para as obras de infraestrutura localizadas na Amazônia, à percepção de que o governo não faz o suficiente para melhorar a eficiência energética do sistema (não só na geração) e para desenvolver as energias alternativas, acaba por produzir conflitos agudos e processos equivocados, que poderiam ser evitados.

Apesar dos discursos em contrário, ainda estamos operando no padrão antigo, que considera o meio ambiente como entrave ao desenvolvimento. Temos ainda um longo dever de casa a ser feito para ingressarmos definitivamente no século 21. Quem pensa que a história relatada no filme Avatar só pode ocorrer em outro planeta, engana-se: Pandora também pode ser aqui.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010